25/05/2010

PERFEITO PARA O METRÔ


GILBERT, Elizabeth. Comer, rezar, amar, a busca de uma mulher por todas as coisas da vida na Itália, na Índia, na Indonésia. Seja também a heroína da sua própria jornada. Tradução Fernanda Abreu, 1ª. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008

Por Danielle e Diez Denny


Texto claro, dinâmico, objetivo e prazeroso. Essa é a receita dos cinco milhões de cópias vendidas em todo o mundo. O clichê da busca por identidade das balzaquianas ganha, nessa narrativa de Elizabeth Gilbert uma roupagem nova, com nuanças asiáticas.

Em A Mulher de Trinta, Honoré de Balzac, retrata essa idade feminina da seguinte forma: “uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer”.

Outra personagem famosa de trinta anos é Madame Bovary, de Gustave Flaubert, que “gostava do mar apenas pelas suas tempestades e da verdura só quando a encontrava espalhada entre ruínas. Tinha necessidade de tirar de tudo uma espécie de benefício pessoal e rejeitava como inútil o que quer que não contribuísse para a satisfação imediata de um desejo do seu coração - tendo um temperamento mais sentimental do que artístico e interessando-se mais por emoções do que por paisagens”.

Como referência a Balzac e a Flaubert, na maioria das vezes que uma mulher de trinta anos é personagem de um romance, ela recebe as características de adúltera, em crise de identidade, divorciada ou em vias de divorciar-se, dona de seu destino, libertária. Comer, rezar e amar não foge desse padrão, apenas muda o cenário da França para os EUA, a Itália, a Índia e a Indonésia.

A descrição dos lugares e das respectivas culturas é tão envolvente que alguns críticos denominam a obra como travelogue, uma espécie de diário de viagem romanceado.

A narrativa começa com o processo de divórcio que coloca a protagonista à beira de uma depressão. Depois de dois anos de um trabalho feito em Bali, a jornalista resolve iniciar um projeto de pesquisa para um livro em três países: Itália, Índia e Índonésia. Ela busca na verdade se reencontrar mas o livro serve de pretexto e de forma de financiamento para essa aventura.

O relato sobre a Itália abre o apetite. São descritos massas, pizzas, sorvetes, arroz doce gelado, musse de avelã, licor de limonchelo e compotas de bulbos de flor. Os lugares históricos ela pouco visitou. O que faz a narrativa diferente de um mero guia de viagens. O museu que ela visitou foi o Museu Nacional da Massa em Roma. Em suma, o foco da estadia da protagonista na Itália foi estudar italiano e comer: “escolhi na verdade dois prazeres principais – falar e comer (com ênfase especial no gelato)”.

Nos últimos dias de sua passagem pela Itália viajou para conhecer o interior. Comeu pizza e doces em Nápoles, tanto que sua amiga americana denominou sua viagem de “Festival de carboidratos”. Depois foi para Bolonha, Florença, Veneza, a Sicíia, a Sardenha, outra vez Nápoles e Calábria. Castanhas, pêssegos, figos, risotos, são narrados de forma a abrir o apetite do leitor. Conta ainda as peculiaridades históricas dessas cidades de maneira muito interessante.

O espírito italiano é descrito da seguinte forma: “ já que o mundo é tão corrupto, mentiroso, instável, exagerado e injusto, só se deveria confiar naquilo que se puder provar com os próprios sentidos e isso torna os sentidos, na Itália, mais fortes do que em qualquer lugar da Europa.”... “Em um mundo de desordem, desastre e fraude, algumas vezes só a beleza merece confiança. Somente a excelência artística é incorruptível. O prazer não pode ser sucateado. E, algumas vezes, a comida é a única moeda real”.

Toda a beleza e o prazer da Itália possuem altos e baixos. Ter que decidir qual será o destino da relação com o namorado que ficou nos Estados Unidos, por exemplo, é um baixo; compreender que os quilos que se ganha com a comida italiana são também força e substância que dão mais vida a alguém, é um alto. “Cheguei à Itália abatida e magra. Ainda não sabia o que eu merecia. Talvez eu ainda não saiba totalmente o que eu mereço. Porém, o que sei é que, ultimamente, eu me recuperei – graças à alegria de prazeres inofensivos – e tornei-me alguém muito mais intacto. A maneira mais fácil, mais fundamentalmente humana de dizer isso é que eu engordei.”

A experiência indiana começa em Mumbai de onde toma um taxi até um templo em um vilarejo distante, onde permanecerá por 4 meses. Vários tipos de meditação são descritos, juntamente com várias tradições. “Na tradição iogue indiana, esse segredo divino se chama kundalini shakti, e é retratado como uma cobra que jaz enrolada na base da coluna, até ser libertada pelo toque de um mestre ou por um milagre, então subindo pelos sete chacras ou rodas (que também se pode chamar ‘as sete mansões da alma’) e finalmente saindo pela cabeça expandindo na união com Deus.” ... “Deus é uma luz azul que se pode sentir irradiando a partir do centro do crânio. Na tradição iogue, isso se chama ‘a pérola azul’ e o objetivo de todo discípulo é encontrá-la”.

O processo de auto conhecimento da protagonistamarionete dos deuses, nem tampouco é senhor do próprio destino; ele é um pouco de ambos. Galopamos pela vida como artistas de circo, equilibramos em dois cavalos que correm lado a lado a toda velocidade – com um pé sobre o cavalo chamado ‘destino’, e o outro sobre o cavalo chamado ‘livre-arbítrio’. E a pergunta que você tem de fazer todos os dias é: qual dos cavalos é qual? Com qual cavalo devo parar de me preocupar, porque ele não está sob o meu controle, e qual deles preciso guiar com esforço concentrado?”

A noção de Elizabeth de que a oração é a arte de saber agradecer, traz a esses próximos capítulos uma aura totalmente diferente. Ao ler sobre a Itália, o leitor pensa: “Bom, estou com fome”. Ao ler sobre a Índia, ele sente tamanha paz que até a noção de fome se torna inferior e ele passa a pensar: “Bom, talvez eu deva aprender a meditar também...”. A trajetória de Liz por esses caminhos não é fácil de ser trilhada, o que faz com que nos sintamos normais quando também não conseguirmos nos concentrar por muito tempo em um mantra, um pensamento, uma meditação.

Ela acaba por conhecer um americano que medita, reza e, ao mesmo tempo, se comporta como um típico caipira do Texas. Suas experiências meditativas a partir desse encontro se ampliam e Liz nos explica um fenômeno curioso de união com Deus que ela mesma presenciou: “O japoneses chamam essa energia de ki; os budistas chineses chamam-na de chi; os balineses chamam-na de taksu; os cristãos chamam-na de Espírito Santo; os habitantes originais do deserto do Kalahari chama-na de n/um.”. As lembranças de um antigo amor dificultam sua concentração, mas Liz se torna na Índia o que poderia ocorrer em qualquer outro lugar. Com a ajuda de seu amigo texano, ela consegue encontrar diversão no tortuoso caminho da concentração.

Ela que é muito faladora tem que aprender a controlar-se. “O silêncio e a solidão são práticas espirituais universalmente reconhecidas e existem bons motivos para isso. Aprender a disciplinar sua fala é uma forma de evitar que suas energias se esvaiam de você pelo buraco da sua boca, exaurindo você e enchendo o mundo de palavras, palavras, palavras, em vez de serenidade, paz e contentamento.”

Na Indonésia conhecemos os rituais complexos dessa sociedade. “A cultura balinesa é um dos sistemas de organização social e religiosa mais metódicos da Terra, uma maravilhosa colméia de tarefas, papéis e cerimônias.” ... “Existem cerimônias que precisam ser executadas cinco vezes por dia, e outras uma vez ao dia, outras uma vez por semana, outras uma vez por mês, outras uma vez por ano, outras a cada dez anos, uma vez a cada cem anos, uma vez a cada mil anos. Os sacerdotes e homens santos mantêm o controle de todas essas datas e rituais, graças a um incompreensível sistema composto de três calendários distintos”.

Para meditar o xamã de Bali ensinou que era preciso apenas sorrir. “Sorrir com o rosto. Sorrir com a mente, e a boa energia vem de você, e aí limpa a energia suja. Sorrir até no seu fígado.” ... “para se ter um corpo feliz, é preciso só ter pensamentos positivos”.
Em Bali ela encontra sua cara metade um brasileiro 18 anos mais velho, que viaja muito já tem filhos e fez vazectomia. O final feliz coaduna com o estilo do livro, principalmente na forma eu não fui resgatada por um príncipe eu administrei minha própria salvação.

Apesar de alguns momentos jocosos, nada parece dar errado, a mensagem do livro parece ser que por pensamentos mágicos tudo se resolve. Nesse ponto o livro desbanca para a falta de verossimilhança própria dos títulos de auto-ajuda.

A tradutora também contribuiu para o sucesso da obra. Fernanda Abreu, apesar de nunca ter estudado tradução (é formada em história, com mestrado em sociologia) tem em seu currículo cerca de 70 livros, inclusive vários bestseller como "O Símbolo Perdido", de Dan Brown.

O ritmo da escrita, superdividida em capítulos, favorece a leitura rápida e descompromissada feita na grande maioria das vezes em meios de transportes.

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