16/09/2011

MUSIMID2011 Palestra sobre o SWU

Material de apoio projetado durante a palestra:

SWU NO MUSIMID

Gravação em vídeo da palestra:





Artigo a ser impresso nos anais do evento:
O FESTIVAL SWU:  ENTRE A PROPOSTA SOCIOAMBIENTAL E A PRÁTICA DO ECO-MARKETING


Danielle Mendes Thame Denny[1]



Resumo:
As apresentações musicais em eventos coletivos como os festivais de música podem gerar um ambiente privilegiado para intervenções de forma a despertar e promover a postura ecológica dos participantes. Pela memória musical, experiências sonoras podem ser vinculadas a determinadas atitudes e assim promover ações e compromissos ecológicos. Um exemplo é o SWU (sigla de Starts With You ou Começa Com Você) que tinha como objetivo articular a educomunicação ambiental à imersibilidade sonora nos três dias de festival realizado em Itú/SP, na Fazenda Maeda  nos dias 9, 10 e 11 de novembro de 2010. O presente artigo, contudo, identifica que a sustentabilidade foi usada meramente para promover o consumo durante o SWU. Conclui que, contrariando as expectativas, não houve a defesa efetiva da sustentabilidade ou a informação pelo ambiente  musical. E analisa o evento sob a perspectiva da vinculação, da comunicação orquestral, da (in)comunicação, da verticalidade, da cultura do ouvir, dos diálogos e dos discursos. O artigo parte de uma análise de caso, segue a metodologia etnográfica e tem como referencial teórico autores como Winkin (1998), Flusser (2007), Pross (1980), Baitello (2005), Menezes (2010) dentre outros.

Palavras-chave: Música, Sustentabilidade, Educação, Comunicação e Incomunicação.




Abstract:
Musical performances at public events as music festivals can lead to a privileged environment to interventions willing to develop or promote ecological attitudes into the participants. By musical memory, sound experiences can be linked to certain attitudes and therefore promote action and ecological compromises. An example is the festival SWU (Starts With You) which aimed to articulate environment education to the sound experience during the three days the festival went on in Itú/SP, in the Fazenda Maeda, on the November 9th, 10th and 11 from 2010. This article, though, identifies that the sustainability was used merely to promote consumerism during the SWU. It concludes that, Concludes, against expectations, that there was no effective defense of sustainability or information through the musical environment. It analyses the event under the perspective of linkage, orchestral communication, (in)communication, verticality, culture of listening, dialogues and discourses. This article analyses a case, follows the ethnographic methodology and has its theoretical references on authors such as Winkin (1998), Flusser (2007), Pross (1980), Baitello (2005), Menezes (2010).

Key words : Music, Sustainability, Education, Communication and Incommunication







1.      SWU


O SWU (sigla em inglês para Começa Com Você) era para ser uma mega campanha publicitária de comunicação de massa em defesa da sustentabilidade, traduzida em uma plataforma de informação e entretenimento. Em seu site o SWU pretende ser um movimento de conscientização em prol da sustentabilidade. Sob os valores de paz, amor, consciência e atitude, teria o intuito de mobilizar o maior número possível de pessoas para a causa da sustentabilidade. Sua finalidade seria mostrar que, por meio de pequenas ações individuais praticadas no dia a dia, as pessoas podem ajudar a construir um mundo melhor para se viver.

O idealizador do movimento foi Eduardo Fischer, presidente do Grupo Totalcom, holding de agências publicitárias com atuação no Brasil, na Argentina e em Portugal e cujo capital social é 100% brasileiro. Contou com a parceria da produtora de shows The Groove Concept e da Consultoria Visão Sustentável. Os principais patrocinadores foram Nestlé, Heineken e OI.

A premissa do movimento seria que pequenas atitudes podem gerar grandes mudanças.

A manifestação empírica desse movimento se deu durante os dias 9, 10 e 11 de outubro de 2010, na fazenda Maeda, em Itu (SP) com a realização do Fórum Global de Sustentabilidade e do Music and Arts Festival, para um público de 164,5 mil pessoas.


1.1.   Primeira parte do evento: Fórum Global de Sustentabilidade


O Fórum funcionou entre 12h e 14h40, com apresentações de palestrantes e debates sobre os temas Negócios Sustentáveis, Inclusão de Minorias e Jovens e Meio Ambiente. A participação do público, contudo, ficou muito reduzida. Apenas 3 mil pessoas compareceram às 29 palestras de convidados nacionais e internacionais. Algumas das razões que podem ser apontadas para esse insucesso são, primeiro, o horário exíguo e desvinculado dos eventos do festival de música e, segundo, problemas práticos, como o comprometimento de boa parte do público alvo dessas palestras com as filas dos banhos ou para alimentação.

O fórum deveria ficar aberto durante todo o evento. Suas palestras deveriam ter sido gravadas e disponibilizadas para o público que chegasse fora do horário. E depois na internet para o público em geral.

Deveria haver ações inclusivas que envolvessem as pessoas que já estivessem no evento no horário das palestra. Mas nem a programação o público recebia. As pessoas do camping estavam presas às filas do banho ou às do restaurante, não podendo comparecer. E não havia estímulos para a participação. As ONGs poderiam ter sido acionadas para isso. Atividades lúdicas e inclusivas poderiam ter sido implementadas para despertar o interesse do público e consequentemente aumentado a audiência dessas palestras.

Todo o material produzido pelos 24 speakers e outros 20 convidados entre especialistas, pensadores, empresários e representantes de entidades não-governamentais, foi perdido. Se estivesse disponível de forma mais abrangente durante o evento e depois na internet, poderia estar repercutindo até o momento.


1.1.   Segunda parte do evento: Music and Arts Festival


O festival de música teve 74 atrações musicais, 700 músicos nos palcos e mais de 50 horas de música. Começava por volta das 15h e terminava depois das 2h, com shows de diversas bandas distribuídos por 4 palcos. Essa parte foi um sucesso, com exceção de alguns atrasos, como por exemplo do show do Pixies e falhas técnicas, como a falta de som e de imagem durante a apresentação do Rage Against the Machine.

No dia 9 de outubro, no Palco Água, se apresentaram: 15h45 - Brothers of Brazil, 16h50 - Macaco Bong, 18h40 – Mutantes, 20h55 - The Mars Volta. No Palco Ar: 16h15 - Black Drawing Chalks, 17h35 - Infectious Grooves, 19h50 - Los Hermanos, 22h05 - Rage Against the Machine. Na Tenda Heineken Greenspace: 15h – Glocal, 16h - Killer on the Dance Floor, 17h - The Twelves, 18h – Switch, 19h15 – MSTRKRFT, 20h45 - The Crystal Method, 23h59 - DJ Marky, 01h15 - Steve Angelo. No Palco Oi Novo Som: 14h40 - Banda Batalha das Bandas, 15h20 - Letuce + qinhO, 16h10 - Sobrado 112, 17h – Superguidis, 17h50 - Curumin & The Aipins, 18h45 - Mallu Magalhães, 19h45 - Cidadão Instigado, 20h50 - The Apples in stereo.

No dia 10 de outubro, no Palco Água: 14h - Ilo Ferreira, 15h40 - Jota Quest, 17h45 - Sublime with Rome, 19h55 - Joss Stone, 22h55 - Kings of Leon. No Palco Ar: 14h50 - Teatro Mágico, 16h40 - Capital Inicial, 18h45 - Regina Spektor, 21h - Dave Matthews Band. Na Tenda Heineken Greenspace: 16h30 - Mario Fischetti, 17h45 - Nike Warren, 19h - Life is a Loop, 20h15 - Sander Kleinenberg, 21h30 - Roger Sanchez, 22h45 – Sharam, 00h15 - Markus Schulz. No Palco Oi Novo Som: 14h40 - Banda Batalha das Bandas, 15h20 - Luisa Maita, 16h20 – Volver, 17h20 - Lucas Santtana, 18h30 - Tulipa Ruiz, 19h40 - Rubinho e a Força Bruta, 20h50 - Bomba Estéreo, 22h10 – Otto.

No dia 11 de outubro, no Palco Água: 15h05 – Gloria, 16h10 – Rahzel, 17h45 - Cavalera Conspiracy, 19h55 – Incubus, 22h20 – Pixies, 01h35 – Tiesto. No Palco Ar: 14h30 - Alan Johanes, 15h35 – Crashdiet, 17h - Yo La Tengo, 18h50 - Avenged Sevenfold, 20h55 - Queens of the Stone Age, 23h25 - Linkin Park. Na Tenda Heineken Greenspace: 15h30 - Anderson Noise, 16h45 - Anthony Rother, 18h – Aeroplane, 19h15 - Mix Hell, 20h30 - Gui Boratto, 21h45 - Erol Alkan. No Palco Oi Novo Som: 14h40 - Banda Batalha das Bandas, 15h30 – Tono, 16h30 - Fino Coletivo, 17h30 – Mombojó, 18h35 – Autoramas, 19h40 - BNegão & Seletores de Frequência, 20h50 - Josh Rouse, 22h10 - CSS (Cansei de Ser Sexy)

O festival de arte recebeu instalações de Eduardo Srur, Urban Trash Art, Bijari, Oficina Jamac, Flávia Vivacqua, Cooperaacs. Além disso, promoveu a exposição “Brasil em Chamas” em homenagem a Frans Krajcberg, sob curadoria de Sergio Caribe, com 7 esculturas e 8 fotos do artista. Apesar de ser permanente, ou seja, podia ser experimentado durante o festival de música, as obras eram poucas e muito dispersas pelo grande espaço do evento (233 mil m2) o que desestimulava o acesso e o interesse do público.

Para quem tinha a expectativa de encontrar obras impactantes, que causassem estranhamento e envolvessem o público, como normalmente são as instalações do curador do festival, Eduardo Srur, a mostra foi frustrante. Esse artista é conhecido por instalar garrafas pet gigantes e iluminadas nas bordas do rio Tietê e por prender barracas de camping coloridas nos prédios monocromáticos de São Paulo.


2.      ECO publicidade.


A tendência na publicidade mundial tem sido buscar equilíbrio e modernidade, segundo Ethel Shiraishi Pereira. Sob essa perspectiva a eco publicidade faz comunicação com responsabilidade ambiental. As campanhas eco publicitárias vão muito além da simples utilização de materiais reciclados, incentivam o uso de mídias menos agressivas, mais atraentes e econômicas, mitigam a quantidade de dejetos produzidos pela campanha, utilizam materiais e processos de baixo impacto ambiental.

Os exemplos mais comuns são os usos de mídias digitais, de tintas à base de água ou de base vegetal, nas quais o petróleo é substituído pelo óleo de soja, e de papéis reciclados e de reflorestamento, sem adição de cloro. A proposta de sustentabilidade começa a ser incorporada no dia a dia das empresas realizadoras de eventos. Está aumentando o uso de materiais reciclados e reutilizáveis; a coleta e destinação correta dos resíduos gerados por um evento; a respectiva neutralização das emissões de gás carbônico, por exemplo com a posterior compensação por meio do plantio de árvores; aumentando a acessibilidade ao local em que se realiza o evento; a racionalização do uso da água e de energia elétrica; utilização de alimentos orgânicos; utilização de “brindes verdes” ou produzidos por comunidades carentes; incentivo ao comércio justo; promoção de ações sociais, culturais e de campanhas educativas, de incentivo à preservação ambiental.

Dessa forma, a eco publicidade busca associar o marketing do produto e a imagem da empresa às boas práticas ambientais. Para tanto, precisa utilizar parceiros e fornecedores que também sejam comprometidos com a produção de baixo impacto ambiental, de preferência certificados o que, via de regra, aumenta o preço de produção.

Segundo bem ressalta  Ethel Shiraishi Pereira:
os eventos considerados sustentáveis estão contribuindo para a legitimação dos discursos organizacionais que, cada vez mais, se apropriam do termo “sustentabilidade” para, diante da  impossibilidade de ocultar o quanto suas ações estão prejudicando o meio ambiente, demonstrar aos seus públicos de interesse que estão preocupadas com as questões ambientais (...) Como mecanismo de legitimação de seus discursos organizacionais, as empresas fazem uso intenso do conceito de desenvolvimento sustentável e passam a promover ações muitas vezes calcadas em estratégias de marketing e de relações públicas apenas visando à promoção de sua imagem junto à sociedade, cada vez mais exigente de seus direitos como consumidores e cidadãos. (PEREIRA, 2010: 91-107)

O SWU pode bem ser enquadrado nesse exemplo de Ethel Shiraishi Pereira. Apesar de propor a reciclagem do lixo produzido, o evento não utilizou produtos com materiais recicláveis ou reutilizáveis, que tivessem sido produzidos sem agredir o meio ambiente.

A atuação das ONGS foi muito limitada. As “ações ambientalistas” na comunidade vizinha limitaram-se ao uso de cooperativas para reciclagem de lixo. Um grande número de pessoas de Itú poderia ter sido mobilizada para prestar serviços ou fornecer produtos para o evento. Poderia haver uma tenda de frutas e legumes produzidos na região, por exemplo.

Os preços altos, as demoras e as filas para os produtos e serviços disponíveis no SWU eram justificados apenas de forma abstrata como ecológicos. Não havia uma explicação  detalhada sobre o porquê da diferença. Pelo contrário, a diferenciação de preço e tempo pelo plus da ecologia foi percebida pelo público como engodo, para justificar lucros maiores.

Além disso, a camisa da sustentabilidade não foi vestida por todos os trabalhadores do evento. Lixo e bitucas eram jogados no chão pela equipe uniformizada do evento. Houve mal tratamento dos prestadores de serviço de limpeza que foram deixados esperando, sem almoço, sentados no chão do lado de fora do evento. E portadores de necessidades especiais foram protelados em detrimento das equipes de cobertura jornalística, por exemplo

O eco capitalismo é uma modalidade ainda mais insustentável que o capitalismo tradicional. Pois na ótica do menor preço com maior benefício, pelo menos a água e a comida, condições para sobrevivência tendem a ser garantidas pelo sistema. Sob o eco capitalismo, contudo, a exploração vai mais além, sob a desculpa de se promover a sustentabilidade praticam-se preços abusivos, limitando o acesso das pessoas até aos bens de sobrevivência.

Os preços da comida e da água no SWU eram exorbitantes. Não se promovia a agricultura local, nem o uso consciente de recursos, pelo contrário. A luz ficava acesa 24horas no camping mas nos toilletes não havia luz. A água do chuveiro era potável e trazida por carros pipa a diesel, sem ser reutilizada. No banho, uma vez aberta a torneira, não havia meio de fechá-la para ensaboar-se, por exemplo, o fluxo de água corria ininterruptamente por 7 minutos. Não havia pias, as pessoas tinham de usar água mineral (R$4 cada 250ml) para escovar os dentes e lavar as mãos, por exemplo.

Além disso, sob a bandeira da sustentabilidade muita gente trabalhou de graça e foram conseguidos incentivos fiscais e parcerias com secretarias do Meio Ambiente. Bandas que não viriam se fosse um concerto comum ou patrocinado por uma empresa de cervejas, por exemplo, vieram só por ter essa vinculação ética.


3.      Descumprimento do Plano de Ações de Sustentabilidade de 13 de setembro de 2010


Em contraste com o compromisso de respeito aos direitos humanos e trabalhistas, foi possível presenciar protesto de funcionários terceirizados da empresa T e J que foram deixados horas esperando sem comer e em pé. “Ninguém aqui e bicho! Tem gente desmaiando de fome!” Essas eram algumas das frases gritadas pelos terceirizados.

Não havia cadeiras ou bancos onde gestantes e idosos pudessem sentar e os portadores de necessidades especiais tinham de disputar lugar com as equipes de televisão que usavam o espaço reservado aos PNEs para conseguir uma visão melhor do palco. Os PNEs eram, inclusive, algumas vezes, impedidos de entrar na plataforma com vista privilegiada dos palcos em tese reservada para eles em virtude da movimentação no acesso e das equipes televisivas. Esses fatos violam a cláusula de não-discriminação.

A autora não recebeu assistência nem notou a presença de voluntários, que segundo o Plano de Ações de Sustentabilidade, estariam disponíveis para qualquer ajuda, ou disponíveis para passar informações e dicas de sustentabilidade.

A presença das ONGs no festival, foi muito restrita. Não puderam levar número suficiente de voluntários para implementar ações proativas e ficaram confinadas a um espaço exclusivo, longínquo, que não despertava o interesse do público em geral.

Da mesma forma o Fórum Global de Sustentabilidade, ficou limitado a horário específico e distante do grande público. Ficou perdido o material produzido pelos especialistas, pensadores, empresários, representantes de entidades não-governamentais e de outras iniciativas para discutir com o público alguns dos principais temas da sustentabilidade. Não houve disponibilização desse material nem durante o evento nem depois online.

Violou-se ainda o compromisso de inclusão social, uma vez que todos os alimentos e bebidas eram provenientes de grandes redes. Não houve contratação de mão-de-obra local e pequenos fornecedores a não ser para lidar com o lixo.

Também foi desrespeitada a cláusula Saúde e Segurança pois o público não teve um canal direto para reportar qualquer abuso, conforme estava previsto. Durante os três dias a autora tentou, sem sucesso entrar em contato com alguém da produção que se responsabilizasse pelas falhas. Todos os contatados disseram não saber com quem entrar em contato. A única saída seria, segundo todos, mandar um email. Ocorre que aos emails a produção também não respondia (nem antes do evento, nem durante, nem depois). Somente no dia 20 e outubro, depois de diversas tentativas, a autora conseguiu estabelecer contato com a equipe do SWU por email, no endereço: info@swu.com.br, do qual retirou a maior parte dos números trazidos por este trabalho.

Com relação ao estímulo ao uso de transporte público, houve o contrário, um desestímulo ao transporte público e o uso insustentável dos meios de transporte. O ônibus de São Paulo passava pela frente da fazenda Maeda, mas ia até Itu, para depois outro ônibus ser tomado para a Fazenda, o que origina gasto extra de combustível por pelo menos 40 minutos. Além disso, o ônibus não estava informado sobre onde deveria deixar os diferentes públicos, assim, os campistas foram deixados em outro lugar, quando deveriam ter sido deixados no setor de triagem, perdendo o show e se arrependendo por não terem vindo de carro.

Com relação ao descarte de resíduos a falha foi a mais evidente. Ao invés de serem implantadas ações para a redução da quantidade de resíduos sólidos, sempre que possível, conforme previa o Plano de Ações de Sustentabilidade, cada pessoa que consumia cerveja por exemplo usava não só a latinha como um copo descartável.


4.      Considerações finais


A comunicação pode ser entendida como a constituição de vínculos, de interação, de interiorização no espaço do outro, sendo a vida social a somatória desses vínculos dinâmicos, submetidos às condições de tempo e espaço. Na atualidade, principalmente nos espaços virtuais, estamos submetidos a uma quantidade enorme de informações que consomem nosso tempo mas não necessariamente estabelecem ou despertam vínculos.

A maioria dessas informações não conseguem entrar no espaço (físico e simbólico) do outro porque não admitem o diálogo. Comunicar a mensagem é sempre estar na passagem, no meio, entre o si mesmo e o outro, na zona de perigo, na área da sedução, no crepúsculo de si mesmo e na zona obscura do outro (BAITELLO in Menezes 2005). Portanto não se estabelece comunicação com a mera informação.  O SWU seria uma ótima oportunidade de se estabelecer esses diálogos para promover uma eficaz comunicação sobre sustentabilidade.

Os eventos tipo o SWU têm um potencial enorme para estimular o diálogo de maneira simétrica e abrangente, colaborando, assim, para a melhor comunicação de uma mensagem. É possível atingir os objetivos de negócios dos patrocinadores e organizadores, ao mesmo tempo atendendo aos preceitos éticos da sustentabilidade. Para tanto os eventos devem ser  utilizados como canais de mão dupla, para harmonizar os interesses das organizações e do público, por meio do estabelecimento de canais de diálogo que promovam o encontro público de interessados em uma determinada temática, favorecendo a compreensão mútua e a busca por soluções de problemas comuns. Por meio de discursos e diálogos convergentes em direção a práticas sustentáveis será viável uma transformação em larga escala dos valores e comportamentos humanos.

Contudo, quanto mais avança a capacidade dos seres humanos de se comunicarem, mais aumentam as dificuldades, os entraves, as distorções. Assim, a comunicação concorre com a incomunicação em todas as oportunidades de se manifestarem. Especificamente com relação à comunicação ecológica, segundo José S. García e Maria S. Santiso, ela está sujeita a um duplo condicionamento: econômico e social. O primeiro faz com que a empresa busque o equilíbrio entre as necessidades de lucro, a satisfação do cliente e o menor impacto possível no meio ambiente. Pela perspectiva social, busca estimular e facilitar a aceitação de ideias, atitudes ou comportamentos sociais benéficos à sociedade em geral ou que buscam reprimir atitudes prejudiciais. Se enquadram nessa perspectiva as ações educativas e informacionais bem como a atuação da empresa no seu entorno natural promovendo a defesa do meio ambiente.

Podem fazer parte dessa perspectiva social ações de descomunicação ou de desmarketing para desestimular a compra de produtos que se usam uma única vez (GARCÍA e SANTISO 2010), como as campanhas para diminuição do uso de copos descartáveis, estimulando o uso de produtos duradouros ou reutilizáveis. No SWU essa descomunicação não estava evidente, mas sim a incomunicação.

Ao chegar ao evento, o público não recebia a programação, mas um termo de responsabilidade (que inclusive era impresso em papel grosso e com tinta forte, nada econômica). A pessoa sem a programação fica desinteressada e sujeita ao comportamento de matilha. Não participa das atividades do Fórum por exemplo, ou porque não está sabendo quais serão os temas a serem discutidos ou porque ninguém está indo para lá.

O comportamento sustentável deveria ser promovido por ações mais diretas e participativas. A comunicação falhou não só na versão impressa (divulgação da programação) como na oportunidade de estabelecer vínculos e promover a disseminação do conhecimento por meio de interações lúdicas e participativas.

Além disso, as proibições eram tantas que só causavam irritação no público. Não eram permitidas cadeiras ou comidas perecíveis no camping. Quem já acampou alguma vez sabe o quanto um lugar para sentar ou uma fruta fazem falta. O excesso de regras só dificulta o cumprimento, desautoriza as autoridades do evento e irrita o público. Esse mal estar, cumulado com os preços altos de tudo e com as falhas técnicas contribuíram para manifestações espontâneas de descontentamento, como a insistência em jogar lixo no chão ou o grito: “SWU, vai tomar no ...”, audível a cada silêncio da banda, ou falha nos telões.   

A comunicação do SWU se deu por diálogo e discurso. Ambos se complementam, o primeiro pressupõe a troca a interatividade e o segundo caracteriza-se pela linearidade própria de comunicações oficiais. Contudo o evento poderia ter contato mais com a contribuição do público, engajando-o em atividades mais interativas. As características do SWU ainda seguiram a lógica de broadcast, muio pouco foi feito no sentido de inovar a linguagem adaptando ao tempo de hiperconectividade, abundância de informações e escassez de tempo.

Além disso, o ser humano coordena suas representações e experiências, desde as mais primárias, seguindo a lógica do inferior ou superior. Quem ou o quê está acima é melhor. Para Harry Pross, a cultura supõe comunicações ritualizadas e institucionalizadas, possibilitada pelos meios, seguindo a hierarquia vertical de valores.

Na contemporaneidade há uma obsessão ainda maior pelo verticalismo. Com o aumento da virtualidade perdem-se os vínculos com os sujeitos corpóreos e tridimensionais que estão próximos. As pessoas se tornam mais individualistas e são cobradas por seus resultados, qualidades, diferenciais e muito raramente se consideram e são consideradas como iguais.

No SWU isso se demonstrava no cotidiano dos campistas. Normalmente quem acampa, compartilha, ajuda, conversa, se coloca no âmbito do horizontal, em que todos são iguais. Esses valores remontam à revolução cultural da década de 1970, aos valores hippies. O camping do SWU não seguiu essa lógica. O público não era formado por pessoas que normalmente acampam o que era evidenciado pela quase maioria de barracas novas. E a maioria das pessoas eram jovens. Assim, a lógica da verticalidade foi a mais preponderante. Casais e grupos interagiam entre si, sem agregar os vizinhos de barraca. Havia um desinteresse pelo próximo. E inclusive situações de completa alienação: um grupo não saber que o grupo ao lado é do mesmo estado.

Dentro do contexto de um mundo marcado quer pela inflação de imagens e sons, como pela dificuldade em se ver e ouvir em profundidade (Menezes 2007), a comunicação do SWU deveria ser interativa e orquestral. Perdeu-se uma importante oportunidade para usar o ouvir como disposição para sermos tocados pelas idéias da sustentabilidade.

As iniciativas comunicacionais  do SWU foram estruturadas de acordo com a lógica do eco marketing e do eco capitalismo suas ações não foram verdadeiramente sustentáveis. Ao SWU, portanto, faltou ação política, foi apenas um mega evento de entretenimento (por sinal muito bom, com excelentes bandas em um lugar agradável).


Referências bibliográficas:
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FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naif, 2007.
GARCÍA, José Sixto; SANTISO, María Salgueiro. Comunicação ambiental para o século XXI. Comunicação & Educação, São Paulo, ano 15, n.2, CCA/ECA/USP/Paulinas, p. 69-76, 2010
JÖHR, Hans. O verde é negócio. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling; OLIVEIRA, Ivone de Lourdes (Org.). A comunicação na gestão da sustentabilidade das organizações. São Caetano do Sul: Difusão, 2009.
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PEREIRA, Ethel Shiraishi. Isso não tem importancia: eventos e sustentabilidade na sociedade do espetáculo. Communicare : Revista de Pesquisa, São Paulo , v. 10, n. 1, p. 91-107, jan. 2010.
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[1] Mestranda em Comunicação pela Cásper Líbero, Linha de Pesquisa Processos Midiáticos: Tecnologia e Mercado, Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura do Ouvir. E-mail danielle.denny@gmail.com.

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