05/01/2012

III Seminário Comunicação e Cultura do Ouvir: COMUNICAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: O AMBIENTE COMUNICATIVO DO SWU

Artigo apresentado no  III Seminário Comunicação e Cultura do Ouvir, organizado por José Eugenio de O. Menezes, na Cásper Líbero, 9/11/11

Danielle Mendes Thame Denny[1] 

1. Introdução
As apresentações musicais em eventos coletivos, como os festivais de música, são capazes de gerar um ambiente privilegiado para intervenções, de forma a favorecer a educação, despertar e desenvolver a formação da postura ética e ecológica dos participantes. Pela memória musical, experiências sonoras podem ser vinculadas a determinadas atitudes e, assim, promover ações e compromissos que levem emconsideração o meio ambiente . O caso concreto sob análise é o SWU 2010 (sigla de Starts With You ou Começa Com Você) que tinha como objetivo articular a educomunicação ambiental à imersibilidade sonora nos três dias de festival, realizado em Itu, cidade do estado de São Paulo, na Fazenda Maeda, nos dias 9, 10 e 11 de novembro de 2010. Em seu site, o SWU pretende ser um movimento de conscientização em prol da sustentabilidade. Sua finalidade seria mostrar que, por meio de pequenas ações individuais praticadas no dia a dia, as pessoas podem ajudar a construir um mundo melhor para se viver. O presente artigo reflete uma pesquisa em andamento que busca identificar se a sustentabilidade foi usada, meramente, para promover o consumo durante o SWU, ou se foi uma importante oportunidade para se criar vínculos entre as pessoas e usar o ouvir como disposição para sermos tocados pelas ideias a respeito da sustentabilidade. A análise teórica  aqui desenvolvida é feita sob a perspectiva dos valores econômicos, da vinculação, da comunicação orquestral, da iconofagia, da ecologia da comunicação, da verticalidade, da cultura do ouvir, dos diálogos e dos discursos. Este  estudo parte de uma análise de caso, segue a metodologia fenomenológica e tem, como referencial teórico, autores como Shapiro(1999), Castells (2009), Català (2005), Winkin (1998), Flusser (2007), Pross (1980), Romano (2004), dentre outros.
A pesquisa em elaboração nasceu de uma experiência de aplicação do aprendido nas aulas de Teoria da Comunicação do Mestrado da Cásper Líbero. Depois de estudar a escola de Palo Alto, a pesquisadora foi a campo, durante os três dias  do festival, seguindo a metodologia fenomenológica de buscar experiências, de ir da teoria ao trabalho de campo, como propõe o título do livro de Winkin (1998).
Face aos desafios enfrentados, atualmente, pela Comunicação, num contexto em que a informação deixou de ser escassa e os meios ainda não desenvolveram uma nova linguagem, iniciativas como o SWU são casos a serem estudados. Além disso, para a linha de pesquisa do Mestrado: “Processos Midiáticos: Tecnologia e Mercado”, o modelo de negócio do SWU e a experiência de vinculação ampliada nas mediações terciárias e potencializada ainda mais pela convergência dos meios formando uma teia de vínculos (Menezes, 2007) é de suma importância e  atual.
A pesquisa tem  a temática dividida em três focos principais: vinculação, media literacy e ecologia da comunicação.
2. A origem do movimento e do evento SWU
O SWU (sigla em inglês para Começa Com Você) era para ser uma mega campanha publicitária de comunicação de massa em defesa da sustentabilidade, traduzida em uma plataforma de informação e entretenimento. Em seu site, o SWU pretende ser um movimento de conscientização em prol da sustentabilidade. Sob os valores: paz, amor, consciência e atitude, teria o intuito de mobilizar o maior número possível de pessoas para essa causa. Sua finalidade seria mostrar que, por meio de pequenas ações individuais praticadas no dia a dia, as pessoas podem ajudar a construir um mundo melhor para se viver.
O idealizador do movimento foi Eduardo Fischer, presidente do Grupo Totalcom, holding de agências publicitárias com atuação no Brasil, na Argentina e em Portugal e cujo capital social é 100% brasileiro. Contou com a parceria da produtora de shows The Groove Concept e da Consultoria Visão Sustentável. Os principais patrocinadores foram a Nestlé, a Heineken e a OI. A premissa do movimento seria que pequenas atitudes podem gerar grandes mudanças. A sua manifestação empírica  deu-se durante o Fórum Global de Sustentabilidade e do Music and Arts Festival, para um público de 164,5 mil pessoas em Itu.
Esse Fórum Global de Sustentabilidade foi a primeira parte do evento que funcionou entre 12h e 14h40, com apresentações de palestrantes e debates sobre os temas Negócios Sustentáveis, Inclusão de Minorias e Jovens e Meio Ambiente. Três mil pessoas compareceram as 29 palestras proferidas por convidados nacionais e internacionais. Todo o material produzido pelos 24 speakers e outros 20 convidados (especialistas, pensadores, empresários e representantes de entidades nãogovernamentais), ainda está indisponível de forma abrangente, na Internet, por exemplo.
A segunda parte foi o Arts Festival, que recebeu instalações de Eduardo Srur, Urban Trash Art, Bijari, Oficina Jamac, Flávia Vivacqua, Cooperaacs. Promoveu a exposição “Brasil em Chamas” em homenagem a Frans Krajcberg, sob curadoria de Sergio Caribe, com 7 esculturas e 8 fotos do artista.  Elas eram permanentes, dispersas pelos 233 mil m² e podiam ser experimentadas durante todo o evento, inclusive durante o festival de música.
A terceira, e a mais notória parte do SWU, foi o Music Festival. Com 74 atrações musicais, 700 músicos nos palcos e mais de 50 horas de música. Começava por volta das 15h e terminava após às 2h, com shows de diversas bandas distribuídas por 4 palcos.
3. Ambientes e vínculos no contexto do SWU
O presente artigo é fruto de uma pesquisa em andamento, portanto a ênfase ainda é na problematização e nas hipóteses. Com a análise, por meio das teorias da comunicação, dos processos de vinculação gerados durante o SWU, possivelmente irão se evidenciar vínculos estabelecidos durante o festival e depois, entre os espectadores e fãs,  pelas mídias sociais conectadas, por exemplo.  Há a probabilidade da pesquisa  indicar que a vinculação humana foi ampliada nas mediações terciárias e potencializada pela convergência de meios de comunicação que interagem com o festival, veiculando valores de sustentabilidade, de forma lúdica.
Sob a análise da economia da comunicação, pode ser que se identifique que a sustentabilidade foi usada meramente para promover o consumo durante o SWU, e que, contrariando as expectativas, não houve a defesa efetiva dos valores éticos da sustentabilidade, ou o uso do ambiente musical para fornecer recursos à informação socioambiental. Pode ser que tenha sido perdida uma importante oportunidade para usar o ouvir como disposição para sermos tocados por tão importante causa. As iniciativas comunicacionais do SWU podem se demonstrar estruturadas de acordo com a lógica do EcoMarketing e do “greenwashing”, com suas ações não verdadeiramente sustentáveis.
Uma outra problematização é o fato de o SWU poder ser tomado, apenas, como uma reafirmação de uma imagem da sociedade do espetáculo à medida que as pessoas, como em qualquer outro show de música, levam prontas uma imagem de como o show deve ser aproveitado; uma imagem fechada, com uma lacuna a ser preenchida pela efetiva presença da pessoa naquele local. E esses modelos prontos, pré-fabricados pela indústria do entretenimento podem, inclusive, vir de outros países, como dos festivais ingleses que, como o SWU, oferecem camping, longa lista de shows de diversas bandas em palcos de estilos diferentes. O SWU pode ser tomado de exemplo dessa reafirmação dos modelos já pré-estabelecidos nos festivais ingleses e americanos.
Dessa forma, levantam-se as hipóteses de que uma nova linguagem adequada à abundância de informações, hiperconectividade e escassez de tempo precisa ser desenvolvida e de que o SWU pode ser estudado como um exemplo de iniciativa inovadora de comunicação, pois logrou envolver os participantes antes e depois dos três dias de evento, utiliza-se das mídias eletrônicas para criar e manter os vínculos e tem finalidade educativa, usa, portanto, a imagem fechada,  pré-fabricada da sociedade do espetáculo, os valores da economia da comunicação e a lógica do EcoMarketing para viabilizar seu modelo de negócio mas de que isso não é o essencial.
O SWU deve ter se desdobrado para muito além desses conceitos. A comunicação orquestral deve ter gerado vínculos afetivos que, quando a pessoa fez parte do EcoMarketing , ou quando entrou na imagem pré-estabelecida de como desfrutar de um show, apropriou-se dos pontos de interesse, sociabilizou-se, entrou em contato com outras pessoas, experimentou ambientes sensoriais de forma a chamar a atenção para a corporeidade e, assim, promover ecologia da comunicação. A análise dos sucessos e dos fracassos dessa experiência, possivelmente servirá para fundamentar futuras investidas semelhantes, contribuindo para a formação de uma nova linguagem comunicacional, adaptada à escassez de tempo e à abundância de informações, possibilitadas pela revolução digital.

4. Concepções teóricas para compreensão crítica do SWU
Serão estudados os conceitos de mediação e vinculação (Pross, 1980 e Baitello, 1999), comunicação orquestral (Winkin, 1998) e comunicação como diálogo (Flusser, 2007). O vínculo, como base para a comunicação, deve ser entendido como mais complexo que o contato cibernético para troca de informações, considerando comunicar como diferente de informar (Wolton, 2010). Somente seres humanos comunicam, trocam sentimentos, compartilham sensações. Os aparelhos eletrônicos podem ampliar ou, muitas vezes, reduzir as possibilidades de vinculação humana.
Na atual sociedade imagética, milhares de imagens são consumidas pelas pessoas e ao mesmo tempo as imagens consomem as pessoas (Baitello, 2005). A reprodutibilidade sem limites, mina qualquer tipo de reflexão, na tentativa de substituir as outras dimensões humanas bastante esquecidas. Nesse quadro, qualquer preocupação sobre o ecossistema, incluindo o ambiente comunicacional, não se encaixa. A ecologia tem como objetivo a integração entre o humano e o meio ambiente. E esse ambiente  além de físico, é imaterial, uma vez que, nesta sociedade, a nossa existência virtual é particularmente importante.
Depois de séculos de supremacia da racionalidade, o corpo e os seus sentimentos precisam ser resgatados. Na verdade, o que normalmente move os atos humanos são as emoções, como o amor, a simpatia, o respeito e não a racionalidade. Nesse contexto, é importante redescobrir o homem não somente como homo faber, um trabalhador racional, focado em resultados e produtividade, mas também como homo ludens, com senso de humor, paixões, com foco em lazer e diversão. E é isso que parece acontecer no SWU, por meio da integração do lazer com a educação, criando ecossistemas comunicacionais (Romano, 2004) nos ambientes educativos e, dessa forma, integrando música, imagens, internet, redes sociais, blogs, amigos, família ...
Referências

BAITELLO JUNIOR, Norval. O animal que parou os relógios: ensaios sobre comunicação, cultura e mídia. São Paulo: Annablume, 1999.

BAITELLO JUNIOR, Norval. O tempo lento e o espaço nulo. mídia primária, secundária e terciária. Disponível em: < http://www.cisc.org.br/portal/biblioteca/tempolento.pdf.>. Acesso em: 20 de agosto de 2010.
BAITELLO JUNIOR, Norval; CONTRERA, Malena Segura; MENEZES, José Eugenio de Oliveira (Orgs.). Os meios da incomunicação. São Paulo: Annablume, 2005.
BAUER, Thomaz A. Understanding Media. Media Literacy as Key Competence. De Scripto. A Journal of Media in South East Europe.  No 3/4 2007. Disponivel em: < http://www.descripto.info > . Acesso em: 22 ago 2010.
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CASTELLS, Manuel. Communication power. New York: Oxford, 2009
CHAMORRO, A.; MIRANDA, F.J; RUBIO, S. El estado de la investigación sobre marketing ecológico en España. Disponível em http://dialnet.unirioja.es/servlet/fichero_articulo?codigo=2153375&orden=0 Acesso em 29 de novembro de 2010.
DENNY, Danielle. O festival SWU: entre a proposta socioambiental e a prática do eco-marketing. Artigo apresentado no MUSIMID 2011. Disponível em http://www.musimid.mus.br/7encontro/MusiMid7_ResumoseProgramacao.pdf . Acesso em 2 de novembro de 2011.
DENNY, Ercílio Pós Modernidade: Desafios Educacionais in Experiência e Liberdade. Editora Opinião. Capivari. 2003
FLORIDI, Luciano. Information – A Very Short Introduction.Oxford University Press, 2010
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naif, 2007.
GALLOWAY, Alexarder. Protocol: how control exists after decentralization. New York, London: MIT Press, 2004.
GARCÍA, José Sixto; SANTISO, María Salgueiro. Comunicação ambiental para o século XXI. Comunicação & Educação, São Paulo, ano 15, n.2, CCA/ECA/USP/Paulinas, p. 69-76, 2010
GOTTLIEB, Liana. Mafalda vai à escola: a comunicação dialógica de Buber e Moreno na educação, nas tiras de Quino. São Paulo: Instituto Latinoamericano de la Comunicación Educativa, Núcleo de Comunicação e Educação 1996.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
JÖHR, Hans. O verde é negócio. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
KOSIK,  Kenneth S. The wikification of knowledge. Nieman Foundation for Journalism at Harvard. Nieman Reports. Winter 2008. Disponível em: < http://nieman.harvard.edu/reportsitem.aspx?id=100690 >. Acesso em: 10 ago 2010.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling; OLIVEIRA, Ivone de Lourdes (Org.). A comunicação na gestão da sustentabilidade das organizações. São Caetano do Sul: Difusão, 2009.
MARQUES, Ângela; COELHO, Cláudio; KÜNSCH, Dimas; BUITONI, Dulcília et al. Esfera pública, redes e jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009.
MARTENS, Hans. Evaluating Media Literacy Education: concepts, theories and future directions. Journal of Media Literacy education 2:1 (2010) 1-22. Disponível em: < http://jmle.org/index.php/JMLE/article/viewFile/71/44 >. Acesso em: 22 ago 2010.
MATOS, Heloiza. Capital social e comunicação: interfaces e articulações. São Paulo: Summus, 2009
McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1998.
MEDIA LITERACY. De Scripto. v. 11. 2007. Disponível em: < http://www.univie.ac.at/seemo/deScripto11_screen.pdf >. Acesso em 22 de agosto de 2010.
MEDITSCH, Eduardo (Org.). Teorias do rádio: textos e contextos. Florianópolis, SC: Insular, 2005  (v.1)
MENEZES, José Eugenio de O (organizador). Os meios da incomunicação. São Paulo: Annablume, 2005
MENEZES, José Eugenio de O. Editorial da Revista Ghrebh. Disponível em: http://revista.cisc.org.br/ghrebh9/artigo.php?id=editorial&dir=artigos. Acesso em 15 de outubro de 2010.
MENEZES, José Eugenio de Oliveira. Rádio e cidade: vínculos sonoros. São Paulo: Annablume, 2007.
NAMLE. National Association for Media Literacy Education . The Core Principles of Media Literacy Education. Disponível em: < http://namle.net/2009/06/02/the-core-principles-of-media-literacy-education/ >. Acesso em: 20 ago 2010.
PARK, Han Woo; THELWALL, Mike. “Rede de hyperlinks: estudo da estrutura social na Internet”. In: O tempo das redes. São Paulo: Perspectiva, 2008.
PEREIRA, Ethel Shiraishi. Isso não tem importancia: eventos e sustentabilidade na sociedade do espetáculo. Communicare : Revista de Pesquisa, São Paulo , v. 10, n. 1, p. 91-107, jan. 2010.
PRAKASH, Aseem. Greenmarketing, public policy and managerial strategies. Disponível em www.greeneconomics.net/GreenMarketing.pdf Acesso em 29 de novembro de 2010.
PROSS, Harry. Estructura simbólica del poder. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. 177 p.
SHAPIRO, Carl; VARIAN, Hal R. A economia da informação: como os princípios econômicos se aplicam à era da Internet. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
SOARES, Ismar de Oliveira (Org.) Caminhos da educomunicação. São Paulo: Salesiana, 2001.
SRUR, Eduardo. Fotos das intervenções mais conhecidas do artista, curador do Festival de Arte do SWU. Disponível em http://www.flickr.com/photos/eduardosrur/collections/72157624103087120/. Acesso em 29 de novembro de 2010.
SWU. Compromisso público de sustentabilidade. Disponível em  http://www.swu.com.br/pt/movimento-swu/swu-compromisso-publico-de-sustentabilidade/. Acesso em 22 de novembro de 2010.
SWU. Plano de ações de sustentabilidade. Disponível em http://www.swu.com.br/pt/swu/noticias-swu/swu-plano-de-acoes-de-sustentabilidade/ Acesso em 22 de novembro de 2010.
TOMASELO, Michael. Origins of Human Communication. Cambridge: The MIT Press, 2008.
WINKIN, Yves. A nova comunicação: da teoria ao trabalho de campo. Campinas,SP: Papirus, 1998.
WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre-RS: Sulinas, 2010.
WULF, Christoph. O ouvido. Disponível em: http://revista.cisc.org.br/ghrebh9/artigo.php?dir=artigos&id=WulfPort . Acesso em 15 de outubro de 2010.




[1] Mestranda em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero. Linha de Pesquisa Processos Midiáticos: Tecnologia e Mercado. Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura do Ouvir. 

Nenhum comentário: